Drummond

Nascido em Itabira (MG), em 1902, Carlos Drummond de Andrade é considerado o poeta mais importante do Brasil do século XX. Grande representante do modernismo brasileiro e famoso por obras como Alguma Poesia, Sentimento do Mundo e A Rosa do Povo, ele ficou mundialmente conhecido pela poesia social e política. E embora Drummond não tenha uma produção literária voltada especificamente para crianças,  muitos de seus poemas são indicados para leitura durante a infância. Nos próximos posts, vamos lembrar alguns deles e nos encantar! ♥

drummond

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.

(Confidência do Itabirano)


Poema “Festa no Brejo”

FESTA NO BREJO

A saparia desesperada sapo
coaxa coaxa coaxa.
O brejo vibra que nem caixa
de guerra. Os sapos estão danados.

A lua gorda apareceu
e clareou o brejo todo.
Até à lua sobe o coro
da saparia desesperada.

A saparia toda de Minas
coaxa no brejo humilde.
Hoje tem festa no brejo!

Seguindo a proposta de postar poemas que não foram escritos especialmente para o público infantil, mas que encantam os pequenos, escolhemos para hoje “Festa no Brejo”, de Carlos Drummond de Andrade. Publicado no livro Alguma Poesia, em 1930, o poema conversa com a crítica feita por Manuel Bandeira ao Parnasianismo em “Os Sapos”, recitado na Semana de Arte Moderna de 1922.

Mas para além dessas características, “Festa no Brejo” assume um aspecto divertido, já que o vocabulário utilizado pelo poeta  chama a atenção dos pequenos leitores, como se observa em “A saparia desesperada/ coaxa, coaxa, coaxa”, “(…) os sapos estão danados” e “A lua gorda apareceu”. Com palavras simples e um tom jocoso, os versos divertem a criançada.

E além disso, claro, destaca-se a temática, afinal, uma festa de sapos, quando imaginada em seu sentido literal, exige muuuita imaginação – coisa que criança tem de sobra, não é mesmo?


Poema – “Cidadezinha Qualquer”

CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar… as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

anita-malfati
Entre morros e rodas d’água, de Anita Malfatti

Publicado em 1930 no livro Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, “Cidadezinha Qualquer” trata de maneira irônica a monotonia da típica cidade de interior. O eu-lírico parece observar a paisagem que está retratando e, embora o poema não seja destinado ao público infantil, os seus versos chamam a atenção das crianças tanto em relação ao aspecto formal – por sua brevidade, pela construção das estrofes e pelas rimas – quanto ao conteúdo. Embora alguns aspectos da poesia ainda estejam longe da compreensão infantil (como a ironia, por exemplo, que só começamos a entender quando estamos um pouco mais velhos), a temática da cidadezinha de interior com elementos simples que fazem parte do cotidiano de quem vive nesse ambiente tem o poder de encantar os pequenos leitores!

E para dar voz a esse poema, escolhemos um vídeo do Quintal da Cultura, um programa infantil produzido e transmitido pela TV Cultura, que incentiva muito a nossa poesia!


Poema – “Quadrilha”

QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

quadrilha

“Quadrilha”, que dá título ao poema de Drummond, faz parte do primeiro volume lírico de Drummond intitulado Alguma Poesia, de 1930. O título remete à dança de quadrilha da festa junina, na qual ocorre a famosa troca de pares. Nesse poema, o amor não é correspondido, pois um amava o outro que não o amava de volta. Somente Lili, que não amava ninguém, tem um fim amoroso.

Esse poema é chamado pelos modernistas de poema piada ou epigrama, ou seja, uma composição breve e cômica. Com apenas uma estrofe, observamos um registro linguístico coloquial e um esquema métrico irregular.

E afinal, quem nunca amou alguém que amava outra pessoa? Além da temática mais divertida, a própria estrutura do poema chama a atenção do público infantojuvenil, embora não seja destinado especificamente a ele.

“Quadrilha” foi composta em 1967 para Coro Misto a quatro vozes a cappella (sem acompanhamento instrumental). Confira:


Poema – “No meio do caminho”

NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Drummond-Pedra
*Crédito: Vagn

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Feita por Vagn e publicada no “Jornal do Brasil”, em 7 de Junho de 1969. A charge foi inspirada na poesia “No Meio do Caminho”, do poeta Carlos Drummond de Andrade.

***

Apesar de parecer ter uma estrutura simples, formada pela repetição de palavras e por versos brancos, o poema demanda uma interpretação, uma vez que o sintagma “pedra” é empregado como metáfora. Dentro do poema, ela representa os empecilhos que todos encontramos durante a nossa caminhada, que é nada menos do que a nossa vida. Alguns tão fortes e marcantes que nunca nos esqueceremos. Assim acontece com as crianças e com todos nós!

A repetição do fato de que havia uma pedra no meio do caminho é interessante, pois quando ficamos preocupados ou deixamos de fazer algo por conta de um obstáculo, ficamos fixos, sem parar de pensar no acontecimento. Pensando nisso, inserimos a charge feita por Vagn no meio do poema, fazendo uma brincadeira: a pedra está realmente no meio do caminho!

Para marcar os 40 anos do poema, Carlos Drummond de Andrade publicou, em 1967, o livro Uma pedra no meio do caminho – Biografia de um poema. O Instituto Moreira Salles (IMS) lançou em 2010 uma nova edição do livro concebido pelo próprio Drummond, ampliada pelo também poeta Eucanaã Ferraz. Por ocasião do lançamento, o IMS produziu um vídeo com a leitura de “No meio do caminho” em vários idiomas:

Boa leitura e uma boa semana! 😉


 Poema – “Brincar na rua”

Quem cresceu no interior certamente se lembra com carinho daquelas tardes de brincadeira na rua com os irmãos e vizinhos. Esconde-esconde, polícia e ladrão, carrinho de rolimã, bicicleta, bolinha de gude, amarelinha… Era tanta brincadeira que as horas nunca eram suficientes! E sempre ficava a impressão de que quando finalmente chegava o ponto alto da diversão, todas as mães da rua apareciam na janela chamando a criançada para dentro. “Tá taaaarde!”. Foi sobre essa doce memória que Drummond escreveu no poema “Brincar na rua”, e que nós postamos aqui hoje para lembrar um pouquinho daquele tempo ♥

BRINCAR NA RUA

Tarde?
O dia dura menos que um dia.
O corpo ainda não parou de brincar
e já estão chamando da janela:
É tarde.

Ouço sempre este som: é tarde, tarde.
A noite chega de manhã?
Só existe a noite e seu sereno?

O mundo não é mais, depois das cinco?
É tarde.
A sombra me proíbe.
Amanhã, mesma coisa.
Sempre tarde antes de ser tarde.

portinari_pulandocarnica-1959-ost-54-x-65cm
Meninos pulando carniça (Cândido Portinari, 1959)